No alto da montanha...

No alto da montanha...
Capilla del Monte - Cerro Uritorco - Argentina

domingo, 24 de março de 2013

Sozinha? Não, com a natureza!

Embora Capilla del Monte ofereça muitas coisas lindas para se fazer, no meu primeiro dia de parada na cidade não consegui sair do quarto. O cansaço da correria do dia anterior e a vontade de estar bem preparada para o dia seguinte me fizeram querer ficar quietinha até o fim da tarde.

E para não dizer que não coloquei o pé na rua, quando o sol começou a descer fui dar uma volta. Capilla é uma cidadezinha pequena, porém muito desenvolvida. Possui ruas calçadas, um grande número de comércio e uma boa infra-estrutura turística. O turismo local é convidativo para as pessoas que se interessam pela natureza e pelo misticismo. Além do mais, para aqueles que estão em busca de ver os óvnis que dizem que andam por lá.

Dando voltinha pelas ruas do centro eu fiquei tentada com a idéia de ser chique por um dia! Tanto em San Marcos como em Capilla, um copo de café com leite custa o equivalente a oito reais. Eu estava mesmo era na água, que inclusive também era muito cara, porém essencial. Mas aquela rua de vilazinha com aqueles cafés me convenceram a pedir um cappuccino. Quando decidi pagar oito reais por ele não imaginava que viria uma tacinha de dois dedos, mas enfim, foi chique sentar no café e ler meu livro companheiro.

Depois, voltando para o hostel, comprei um colarzinho meio rústico para mim e uma amiga especial. Quando cheguei ao meu quarto, não sei porque, inventei de ir para o andar de cima da beliche. Nesse momento percebi que eu tinha perdido os colares que estavam no meu bolso. Fui descer correndo da cama, que não tinha escada, para voltar para a rua e procurar. Me estrumbiquei escorregando e me agarrando nas madeiras. Kk Foi divertido e agora guardo a marca de Capilla no meu cotovelo sangrento. Mas o pior foi que voltei para as ruas, no mesmo caminho, e vi apenas um mapa no chão, mas isso não me interessava. Voltei convencida de ter perdido os colares e fui pegar o meu mapa no bolso. Não.... era o meu que estava caído no chão, e, logo, as lembrancinhas deviam estar junto! Voltei correndo, mas dessa vez nem mapa e nem nada! Acho que esse foi meu maior azar até hoje. Mas como de tudo deve se tirar uma lição, preferi pensar que era um treinamento para lidar com a dor física e com o desapego material, hehe!

No dia seguinte levantei cedo, fiz um sanduíche com bife de soja e verduras, tomei café, peguei minha mochilinha e... rumo ao Cerro Uritorco! O serro é uma das montanhas mais famosas de Córdoba, a mais alta e onde dizem que tem mais et, kk. A previsão era de 4 horas de subida e 3 de volta, com um valor equivalente a 35 reais para entrar. Eu até gosto de misticismo, mas a minha vontade era mesmo de me encontrar com a natureza! Os óvnis e as lendas não me importavam muito. Eu queria era sentir o verde de perto!!

A diversão começou com o ônibus que peguei desde o centro até o serro. Os banquinhos de madeira e a lataria envelhecida eram muito charmosos! Depois de alguns minutos, cheguei, inicialmente sozinha! Aiaiai... li o cartaz dizendo que o nível de dificuldade era médio/ alto e me bateu um medinho. Mas era esse medinho que também me fazia pensar... ualllll!!!

Tinham uns garotos por perto que estavam no mesmo hostel que eu, e eu podia até ter tentado me aproximar, mas não queria uma companhia! Assim, me certifiquei com o moço que cobrava a entrada de que eu não iria me perder, rs. Claro... não tinha um mapa, não tinha nada além de umas montanha grandonas, eu tinha que perguntar isso! kk Ele me garantiu que eu estaria segura e fui...


                           

Nos primeiros cinco minutos eu estava bufando e reclamando, mentalmente, do porque que levo uma vida tão sedentária. Um morrinho e eu já estava cansada! Respirando alto, cruzei por um cara, o primeiro do caminho, e ele me perguntou se estava bem? Pensei, droga... está dando na cara que estou morrendo, tão rápido! Hehe confesso que fiquei com vergonha, respondi logo que estava tudo bem e dei as costas pra ele e segui.

Quando eu menos esperava, estava lá o cara atrás de mim de novo e puxando assunto. Hum... não estava gostando disso, mas enfim, cautelosamente fui conversando com ele até que ele me disse que era guia do “parque” e que estava voltando para seu ponto de trabalho, no meio da montanha. Um pouquinho de dúvida se era verdade... mas ele estava tão bem equipado, que parecia não ser mentira mesmo não. Até que passamos por uma equipe de televisão, que logo que viram uma brasileira chegando me pararam para entrevistar! Eu fiquei foi morrendo de raiva, porque eles enfiaram a câmera no meu rosto sem nem me perguntar se eu estava de acordo. Isso foi péssimo, mas a vantagem foi que nesse momento me certifiquei que o cara era guia mesmo e todo mundo o conhecia.

                                      


Eu segui caminhando e acabei ganhando um guia de graça. Ele me acompanhou até onde pode, parando quando eu queria e tirando fotos para mim! Depois de um tempo meu desconforto melhorou porque ele estava mesmo muito respeitoso. Mas eu não parava de pensar que ele estava atrapalhando a minha idéia de subir uma montanha sozinha, mas tudo bem! Às vezes eu pensava que eu não tinha ganhado um guia por acaso e ele acabava me trazendo segurança, mesmo que eu estivesse sempre com a pulga atrás da orelha! Mas, de repente também podia ser mais um anjinho, não sei!


Seguimos juntos até metade da montanha, duas horas de caminhada! Cruzamos por poucas pessoas no caminho, não estava em um dia movimentado. A subida estava cansativa, mas as trilhas sempre abertas facilitavam bem. Mas em alguns pontos.... eu tinha certeza que se não tivesse com ele teria ficado meio sem saber para onde ir! Aí dito e feito.... depois que despedi dele, em cinco minutos, estava eu no meio de um monte de mato: “pra onde tenho que ir agora?” a trilha sumiu e eu só via mato, pedra e espinho, haha. Eu ria de mim! Que tola, perdida tão rápido! Eu ria porque sabia que perdida de tudo não tava, o máximo que eu teria que fazer era voltar pelo caminho que fui. Mas e o caminho de ir, onde estava? Empurra plantinha para cá, empurra matinho para lá, salta umas pedrinhas, torce para não ter cobra e... achei!! Ufa, vou conseguir me virar, foi o que pensei!

                            

Há muitos anos eu vivi sempre acompanhada de alguém, todas as minhas aventuras e histórias tinham alguém muito perto de mim, pronto para me proteger. Mas agora eu tinha que me virar sozinha, eu tinha que conseguir vencer minhas dificuldades comigo mesma, na minha vontade de alcançar e na minha coragem que eu estava aprendendo a criar! Então achar aquele caminho, sem pedir informações ou apoio era algo muito maior do que somente encontrar uma trilha! O matinho era baixo, rasteiro e a casinha do guia não estava muito longe, então era simples, era pouco aquele momento, mas para mim, daí em diante, a caminhada foi uma grande aventura e aprendizado!

Segui sem mais ninguém, em meio a muito verde e em uma estradinha que não parava de subir, subir e era longe.... Algumas, poucas, vezes eu cruzava por alguém no caminho. E algumas vezes me perguntavam, entre outras palavras de simpatia: “Estas sola?” Quando me perguntavam isso na capital de Córdoba, em especial os taxistas, eu sempre dizia que eu estava com um grupo de amigos, que estavam me esperando. Era pura mentira, mas isso me fazia sentir mais segura. Mas ali... era óbvio que não tinha mais ninguém comigo, eu não podia inventar que tinha alguém me esperando atrás de uma moita! Mas responder que eu estava sozinha parecia tão vago para mim. Assim, a resposta mais espontânea e mais sincera que vinha à minha cabeça e que eu dizia com um sorriso alegre no rosto era: “Estou com a natureza!”. E essa resposta vinha acompanhada de muita bagagem dentro da minha alma!

                           
Estar acompanhada da natureza era estar conectada a todas as forças físicas e intangíveis que estavam ao meu redor! Assim, quando eu respondia que estava com a natureza, vinha um lindo filme em minha mente. Antes de viajar para a Argentina eu fui me benzer com o Seu Mário da Comunidade dos Arturos de Contagem. Eu não sou católica, não entendo sobre os santos e não rezo Ave Maria. Mas acredito demais na força da benzeção do Seu Mário e creio que algumas vezes já fui protegida com a sua ajuda. Dessa forma, quando busquei a ele, contei que iria fazer uma viagem sozinha! Em suas rezas ele me disse que a todo tempo Nossa Senhora estaria à minha frente abrindo o meu caminho. Assim eu sentia, em meio ao tudo e ao nada em que eu estava, que estaria protegida pela força divina e que meu caminho estava limpo! Além disso, olhando para as montanhas verde, azul e coloridas com flores amarelas, vermelhas e roxas e para o céu azul, o sol irradiante e para a terra que eu pisava, eu via a Pachamama, a Mãe Natureza, me dando um lindo dia. E também sabia que do lado esquerdo e direito tinham os meus anjinhos! E se Nossa Senhora abria meu caminho, e se eu estava envolta da Pachamama e se os anjos me acompanhavam, eu agradecia ao meu Deus pela graça da vida e sabia que eu não estava sozinha, que estava com a natureza!

                     

Assim, sozinha mas acompanhada, subi por mais duas horas. Por fim já estava ficando muito difícil, porque o corpo doía e porque quanto mais perto do fim, mas aumentava o grau de dificuldade. Mas quando eu tinha que me agarrar as pedras é que eu adorava! Me sentia total Indiana Jones. Ficar muito desorientada eu não ficava mais não, mas algumas vezes as setas que indicavam os caminhos apontavam para dois lugares distintos e outras vezes os caminhos não eram tão óbvios, mas eu seguia a intuição e a ponta do cume, seguia e achava!

Depois de praticamente quatro horas, finalmente eu cheguei! Ui, não poderia pensar na idéia de que tinha que voltar. O horário obrigatório de descida era no máximo às 15h30m e eu cheguei ao topo uma hora antes. Aproveitei esse tempo para sentar, comer e descansar. A vista do alto era maravilhosa! Tinha duas cruzes com enfeites bastante populares e um visual deslumbrante. Dava para ver a cidadezinha pequenininha lá embaixo, mas eu gostava mesmo era de olhar para as montanhas vizinhas! Ter a possibilidade de ver as montanhas por cima de seus cumes me parecia um super poder mágico. Eu estava feliz de sentir isso!
                            

Mas era estranho porque também comecei a me sentir um pouco pesada. Não sabia o que era, mas enquanto eu estava subindo eu estava mais feliz, contente. Na verdade enquanto eu subia eu estava mega alegre, mas enquanto eu permaneci ali, por uma hora, enroscada feito um caracol, deitada entre duas pedras, eu sentia um pouco pesada. Enfim, achava que era cansaço e fiquei paradinha tentando relaxar o corpo.

Avançando bastante os capítulos da história, um dia depois quando eu conversava com David, ele me contou a lenda do cume deste serro. Ele disse que as cruzes eram para simbolizar a grande quantidade de indígenas que se jogaram em massa daquele topo, em suicídio, para não se renderem ao poder dos espanhóis. O guia que tinha me acompanhado me contou essa história e disse que as pessoas sempre sentem certo desconforto quando param nessa região, mas no espanhol falado em meio a uma caminhada difícil, eu não tinha entendido o que ele tinha contado, somente depois que David me falou sobre isso é que fui entender e inevitavelmente relacionei ao mal estar que eu tinha sentido!

                                      
Mas o mal estar maior mesmo começou quando iniciei o caminho de volta! Hum... eu estava com muitas dores no corpo e um enjôo chato. Somente sentia na boca o gosto do azeite que deixei derramar sem querer no meu pão. Ouou... não queria que o mal estar da volta abafasse a minha felicidade da ida. Parei para deitar sobre uma pedra, mas abaixo do cume, e aí sim eu estava me sentindo ótima. Eu pensava: “curioso, fiquei uma hora lá em cima e não consegui desfrutar como estou desfrutando nesses cinco minutos aqui!” eu estava deitada com o corpo esticado, não mais como um caracol, sentia o sol batendo suavemente em meu rosto, sentia a brisa e escutava o silêncio. Hum, valeu demais essa sensação, mesmo que tenha sido breve. Tive que tratar de me apressar para levantar, porque queria descer antes do sol partir. Aí, dentro de instantes, já estava eu de novo, cantando mentalmente e saltitando (literalmente) em meio às pedras.
                                     

E cantando mentalmente para que? Aí comecei a cantar foi para fora! Cantava, saltitava e sorria, sem mais ninguém por perto, do jeito que eu queria! Ah, que alegria! Aí em um momento sentei de novo para ver o horizonte, lembrei do presente que agora anda sempre na minha bolsa, que ganhei do meu amigo hare, e abri meu caderninho de mantras e comecei a ler e cantar Jaya Radha Madhava, meu mantra preferido, o mesmo que ele tinha cantado no templo! Lia e cantava em sânscrito e lia em voz alta a tradução em espanhol, que narra Krishna caminhando no meio do bosque, e eu ali, no meio da montanha! Como eu estava leve!!

Eis então que passava por mim um casal de amigos e eu os pedi para tirar uma foto pra mim. Pronto, deixei de ficar sozinha de novo, kkk. Eles eram mega simpatia e quiseram me acompanhar na volta. Acabei ganhando uma carona até o hostel e por fim eles acabaram mudando de abrigo e foram pro mesmo hostel que eu estava, de tanto que eu falei bem de lá. Depois que chegamos eu acho que fui meio chata, mas tudo que eu queria era descansar e acabei não interagindo com ninguém, mas fiz o que eu quis que era ficar quietinha!

Bom, terminei o serro com umas quatro horas de subida e três horas de descida. Em uns quarenta minutos depois que cheguei à base, o sol saiu e se despediu brilhantemente. O sol se foi e eu guardei dentro de mim as lindas sensações que desfrutei enquanto subia as montanhas.

Caminhar pelo Cerro Uritorco me fez sentir mais forte, mais mulher, mais independente, mais capaz! Me fez sorrir muito, sorria para mim mesma, assim, fiquei ainda mais minha amiga, minha parceira! Por alguns minutos eu comecei a pensar se quando eu voltasse para casa essa coragem que estava me acompanhando ia permanecer comigo, se eu ia finalmente aprender a andar de bicicleta ou perder o medo de dirigir. Mas logo soprei esses pensamentos para o lado e busquei viver o momento presente e os sabores da vida que eu vivia ali, naquele instante, feliz!

No dia seguinte amanheceu chovendo e eu morta de dores no corpo, assim preferi voltar para Córdoba um dia antes do previsto.






















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