No alto da montanha...

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Capilla del Monte - Cerro Uritorco - Argentina

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

40 horas de viagem de ônibus, e tudo certo!



Com muito frio na barriga entrei no ônibus em São Paulo com destino à Córdoba/ Argentina. A atendente do guichê onde comprei minha passagem já havia me informado que tinha 38 passageiros no ônibus. O que eu não imaginava é que deste total apenas 5 aproximadamente eram brasileiros. Quando percebi que praticamente todos eram argentinos, inclusive o motorista e seus ajudantes, o frio na barriga triplicou. Imaginei que iria passar 36 horas, tempo previsto de viagem, muda e cheia de dúvidas.

Bom, a coisa não foi tão simples como às 36 horas previstas e nem tão complicada como o bicho de sete cabeças que imaginei. Fiquei sentada sozinha na poltrona de apenas um lugar, mas já tinha percebido que o argentino que estava ao meu lado, após o corredor, falava português. E assim, quando chegava a hora que eu mais temia, a alfândega, solicitei a sua ajuda. Eu não compreendia algumas coisas que deveria escrever no papel de entrada à Argentina e então pedi que ele me explicasse. Por fim estávamos os dois se ajudando, ele a me fazer entender o que se pedia no bilhete, e eu a lhe fazer entender o que estava escrito, pois a letra era pequena e o óculos dele não ajudava. Percebi que essa foi então a oportunidade para ele soltar a tagarela. Rs. Ele é um argentino de uns 40 e tantos anos e tem todo um estilo italiano, fala até doer a língua. Eu achei ótimo, pois assim começava a primeira amizade. Pablo é um ativista dos direitos humanos e durante os nossos papos ele me contava sobre sua participação em alguns lugares, como quando foi deportado da Índia na luta por uma causa humanista. Achei muito interessante os casos dele e percebi o forte empenho que ele estava a me colocar para abraçar a causa. Eu não disse isso para ele, mas desde os meus dezoito anos decidi não entrar para nenhuma militância, então ele não iria me convencer, mas deixei ele falar bastante.

Quando chegamos à alfândega eu já tinha me preparado para ser atendida com grosserias pelos policiais como foi na entrada para o Peru. Mas desta vez, tudo muito tranqüilo. Foi a primeira vez que me disseram uma frase em espanhol, que era apenas “Qual é o seu assento?” e eu calmamente consegui responder. Ufa, que alívio! Assim que meu visto foi carimbado, eba fiquei muito feliz, fui voltar ao ônibus. De repente vi que todas as mochilas estavam jogadas para fora do ônibus e gastei minha primeira frase em espanhol, que aprendi na Bolívia e que por coincidência gastei com uma boliviana que estava sentada no ônibus ao lado do meu amigo falante. Perguntei a ela: “És necessário cambiar del bus?”  achando que íamos trocar de ônibus. Ela também não estava entendendo a situação. Mas os funcionários do ônibus me explicaram que era necessário apenas passar as malas pela vistoria, e assim foi tudo tranqüilo na tão temida alfândega.

Meus assuntos com o novo amigo Pablo eram sobre militância e, de repente, uma manifestação em uma das cidades argentinas, cujo nome não consegui compreender. Ah não! Que legal, eles lutavam pelo salário deles, mas tinha que acontecer logo comigo, na minha primeira viagem sozinha ao exterior? Mal imaginava eu que essa parada, que durou cerca de duas horas, ia render tanta coisa bacana. Lembrei-me de um colega que me disse que eu faria muitos amigos no ônibus e esse era o momento. Pablo havia se juntado aos outros homens que estavam sentados na frente do ônibus para ver o que estava acontecendo. Eu fiquei sem graça de entrar no meio, mas desci para usar o banheiro do bus. Quando sai Pablo estava conversando com uma garota em espanhol e brincou comigo que era hora de usar o meu espanhol. Na verdade eu não usei nada, mas ali fizemos uma roda de bate papo. Acabei circulando entre dois grupos que se formaram, um no andar de cima com uma brasileira, uma brasileiro e um argentino que falava espanhol e outro no andar debaixo com Pablo, a garota argentina e depois de um tempo fui apresentada à Marta, brasileira que há 5 anos mora na argentina cursando medicina. Minha conversa com a Marta foi ótima, principalmente porque ela me ensinou muitas palavras que em português tem um sentido e que no espanhol tem sentido bem pesado. Ou seja, ela me ensinou o que eu nunca devo falar rua à fora. Mas a Marta, junto com alguns outros, também muito me assustou dizendo que eu escolhi o pior lugar para estudar espanhol, já que em Córdoba eles possuem uma forma muito rápida e um jeito fechado de falar. Deram-me o exemplo do carioquês, que com aquele tanto de x complica tudo para um estrangeiro. Para ilustrar o que dizia, Marta me apresentou para um garoto de Córdoba que estava sentando ao lado dela. De fato eu não entendia quase nada que eles disseram. Fiquei um pouco desesperada, mas Pablo me disse uma coisa que me acalmou: “Mulher, se tu aprende o espanhol de Córdoba, vai ficar fera para ir para qualquer outro lugar que se fala espanhol!”. Apenas pensei: “Vou conseguir!”.  E o garoto cordobês se chama Angél, que se pronuncia algo como Anrrél, e significa anjo. E acho que é isso mesmo. Acredito muito que nada acontece por acaso. Anrrél foi um anjinho de 15 anos que me escoltou, mas isso conto mais pra frente.

Bom, depois de duas horas parados, lá vamos nós. Dormi mais um tantão, na verdade dormi quase a viagem toda. Achei ótimo, super confortável. Parecia um dia de folga em que eu não precisava fazer nada, além de dormir e descansar. Mas ao entardecer comecei a esperar ansiosa pela parada que a mulher da bilheteria havia me informado que aconteceria para o jantar. Segundo ela, o ônibus pararia na garagem na cidade de Garupá às 18:00 e eu esperaria até às 19:30 para pegar outro com destino à Córdoba, e nesse lugar jantaríamos. Eu não via a hora de comer, usar o banheiro, lavar o rosto, escovar os dentes, afinal, já tinham mais de 20 horas de viagem. Mas o que aconteceu de fato foi que, devido à manifestação, nos atrasamos e o outro ônibus já estava lá. Em espanhol os funcionários do bus falaram para gente descer, pegar as malas e passar pro outro. Quando fui pegar a mala o funcionário do outro bus já me chamava com pressa pra mudar de lugar e em menos de dois segundos troquei de ônibus, mostrei minhas passagens e conversei com os funcionários, tudo em um portunhol mais que corrido, sem contar que ainda tive que escutar de um deles que as mineiras são muito lindas, rsrs. Ao menos ele foi simpático e decorou meu rosto, isso me fez ter a certeza que ele não me deixaria para trás em uma parada. Mas nesse corre corre eu morri de medo de estar entrando no ônibus errado. Só pensava: “Imagina se não é aqui que tenho que entrar”. Mas Angél estava lá, o único a mudar de ônibus comigo e com os olhinhos sempre atentos aos meus movimentos. Uma gracinha ver que ele me vigiava, pois sabia que eu não sei espanhol.

Embarcando para mais uma viagem e eu só pensava cadê o tal do jantar. Dentro do ônibus primeiro foi servido balinhas, depois Whisky, cerveja, e nada disso me interessava. Eu queria comer comida! Meus biscoitinhos já não bastavam mais para mim! Depois de umas duas horas eis que chega o.... lanchinho? Isso mesmo, chegaram biscoitinhos e bolinho. Mas não entendi nada, logo em seguida veio uma marmitinha! Meu Deus, é isso mesmo!!! Que povo doido! Eles comeram primeiro o lanche, bolo, biscoito, pão, torta, presunto, mussarela e depois ainda uma marmita com arroz e frango. Que povo louco! Bom, eu pelo menos matei minha fome! E aí se seguiram mais umas quinze horas de viagem, sem nenhumaaaa parada e com um café da manhã também servido à bordo.

Ufi, ao todo 40 horas de viagem e cheguei à Córdoba. Passei inicialmente por um longo trecho onde a estrada era toda envolta por árvores longas e algumas pequenas entradas para colônias. Achei muito curioso, parecia que a todo o tempo a estrada cortava uma floresta. De Garupá para frente comecei a ver alguns pastos abertos e construções, casas sem muros, muito legal! Mas senti muita falta de ver montanhas, não havia nenhuma desde a entrada na Argentina. E adivinha onde elas apareceram? Em Córdoba! Como fiquei feliz de ver que aqui as montanhas existem!

Bom desci do ônibus e lá estava o Angél, ou o meu anjinho de olho em mim. Aí foi mesmo minha sorte. Ele, como havia acabado de voltar do Brasil, compreendia um pouco do que eu falava. Perguntei a ele como eu fazia uma ligação e ele me levou até a cabine. Aí ferrou, ele acabou saindo de perto e quando eu liguei pra dona da casa percebi que ela não entendeu bulufas do que eu falei. Eu dava o nome de uma loja da rodoviária como referência para ela me encontrar e ela queria o número da plataforma. Desliguei sem nenhuma das duas ter entendido nada. Voltei pra plataforma e Angél me mostrou o número de lá. Decidi voltar ao telefone e ele me acompanhou. Eu falava com a Maria Rosa plataforma 22 e ela me falava 14, kkk, continuei não entendendo nada e meu anjinho pegou o telefone para avisar que eu ia aguardá-la na 22. Assim deu tudo certo, voltamos para a plataforma e eu encontrei Maria Rosa e me despedi do anjinho.

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