Com muito frio na barriga entrei
no ônibus em São Paulo com destino à Córdoba/ Argentina. A atendente do guichê
onde comprei minha passagem já havia me informado que tinha 38 passageiros no
ônibus. O que eu não imaginava é que deste total apenas 5 aproximadamente eram
brasileiros. Quando percebi que praticamente todos eram argentinos, inclusive o
motorista e seus ajudantes, o frio na barriga triplicou. Imaginei que iria
passar 36 horas, tempo previsto de viagem, muda e cheia de dúvidas.
Bom, a coisa não foi tão simples
como às 36 horas previstas e nem tão complicada como o bicho de sete cabeças
que imaginei. Fiquei sentada sozinha na poltrona de apenas um lugar, mas já
tinha percebido que o argentino que estava ao meu lado, após o corredor, falava
português. E assim, quando chegava a hora que eu mais temia, a alfândega,
solicitei a sua ajuda. Eu não compreendia algumas coisas que deveria escrever
no papel de entrada à Argentina e então pedi que ele me explicasse. Por fim
estávamos os dois se ajudando, ele a me fazer entender o que se pedia no
bilhete, e eu a lhe fazer entender o que estava escrito, pois a letra era
pequena e o óculos dele não ajudava. Percebi que essa foi então a oportunidade
para ele soltar a tagarela. Rs. Ele é um argentino de uns 40 e tantos anos e
tem todo um estilo italiano, fala até doer a língua. Eu achei ótimo, pois assim
começava a primeira amizade. Pablo é um ativista dos direitos humanos e durante
os nossos papos ele me contava sobre sua participação em alguns lugares, como
quando foi deportado da Índia na luta por uma causa humanista. Achei muito
interessante os casos dele e percebi o forte empenho que ele estava a me
colocar para abraçar a causa. Eu não disse isso para ele, mas desde os meus
dezoito anos decidi não entrar para nenhuma militância, então ele não iria me
convencer, mas deixei ele falar bastante.
Quando chegamos à alfândega eu já
tinha me preparado para ser atendida com grosserias pelos policiais como foi na
entrada para o Peru. Mas desta vez, tudo muito tranqüilo. Foi a primeira vez
que me disseram uma frase em espanhol, que era apenas “Qual é o seu assento?” e
eu calmamente consegui responder. Ufa, que alívio! Assim que meu visto foi
carimbado, eba fiquei muito feliz, fui voltar ao ônibus. De repente vi que
todas as mochilas estavam jogadas para fora do ônibus e gastei minha primeira
frase em espanhol, que aprendi na Bolívia e que por coincidência gastei com uma
boliviana que estava sentada no ônibus ao lado do meu amigo falante. Perguntei a
ela: “És necessário cambiar del bus?” achando
que íamos trocar de ônibus. Ela também não estava entendendo a situação. Mas os
funcionários do ônibus me explicaram que era necessário apenas passar as malas
pela vistoria, e assim foi tudo tranqüilo na tão temida alfândega.
Meus assuntos com o novo amigo
Pablo eram sobre militância e, de repente, uma manifestação em uma das cidades
argentinas, cujo nome não consegui compreender. Ah não! Que legal, eles lutavam
pelo salário deles, mas tinha que acontecer logo comigo, na minha primeira
viagem sozinha ao exterior? Mal imaginava eu que essa parada, que durou cerca
de duas horas, ia render tanta coisa bacana. Lembrei-me de um colega que me disse
que eu faria muitos amigos no ônibus e esse era o momento. Pablo havia se
juntado aos outros homens que estavam sentados na frente do ônibus para ver o
que estava acontecendo. Eu fiquei sem graça de entrar no meio, mas desci para
usar o banheiro do bus. Quando sai Pablo estava conversando com uma garota em
espanhol e brincou comigo que era hora de usar o meu espanhol. Na verdade eu
não usei nada, mas ali fizemos uma roda de bate papo. Acabei circulando entre
dois grupos que se formaram, um no andar de cima com uma brasileira, uma
brasileiro e um argentino que falava espanhol e outro no andar debaixo com
Pablo, a garota argentina e depois de um tempo fui apresentada à Marta,
brasileira que há 5 anos mora na argentina cursando medicina. Minha conversa
com a Marta foi ótima, principalmente porque ela me ensinou muitas palavras que
em português tem um sentido e que no espanhol tem sentido bem pesado. Ou seja,
ela me ensinou o que eu nunca devo falar rua à fora. Mas a Marta, junto com
alguns outros, também muito me assustou dizendo que eu escolhi o pior lugar
para estudar espanhol, já que em Córdoba eles possuem uma forma muito rápida e
um jeito fechado de falar. Deram-me o exemplo do carioquês, que com aquele
tanto de x complica tudo para um estrangeiro. Para ilustrar o que dizia, Marta
me apresentou para um garoto de Córdoba que estava sentando ao lado dela. De fato
eu não entendia quase nada que eles disseram. Fiquei um pouco desesperada, mas
Pablo me disse uma coisa que me acalmou: “Mulher, se tu aprende o espanhol de
Córdoba, vai ficar fera para ir para qualquer outro lugar que se fala espanhol!”.
Apenas pensei: “Vou conseguir!”. E o
garoto cordobês se chama Angél, que se pronuncia algo como Anrrél, e significa
anjo. E acho que é isso mesmo. Acredito muito que nada acontece por acaso.
Anrrél foi um anjinho de 15 anos que me escoltou, mas isso conto mais pra
frente.
Bom, depois de duas horas parados,
lá vamos nós. Dormi mais um tantão, na verdade dormi quase a viagem toda. Achei
ótimo, super confortável. Parecia um dia de folga em que eu não precisava fazer
nada, além de dormir e descansar. Mas ao entardecer comecei a esperar ansiosa
pela parada que a mulher da bilheteria havia me informado que aconteceria para
o jantar. Segundo ela, o ônibus pararia na garagem na cidade de Garupá às 18:00
e eu esperaria até às 19:30 para pegar outro com destino à Córdoba, e nesse
lugar jantaríamos. Eu não via a hora de comer, usar o banheiro, lavar o rosto,
escovar os dentes, afinal, já tinham mais de 20 horas de viagem. Mas o que
aconteceu de fato foi que, devido à manifestação, nos atrasamos e o outro
ônibus já estava lá. Em espanhol os funcionários do bus falaram para gente
descer, pegar as malas e passar pro outro. Quando fui pegar a mala o
funcionário do outro bus já me chamava com pressa pra mudar de lugar e em menos
de dois segundos troquei de ônibus, mostrei minhas passagens e conversei com os
funcionários, tudo em um portunhol mais que corrido, sem contar que ainda tive
que escutar de um deles que as mineiras são muito lindas, rsrs. Ao menos ele
foi simpático e decorou meu rosto, isso me fez ter a certeza que ele não me
deixaria para trás em uma parada. Mas nesse corre corre eu morri de medo de
estar entrando no ônibus errado. Só pensava: “Imagina se não é aqui que tenho
que entrar”. Mas Angél estava lá, o único a mudar de ônibus comigo e com os
olhinhos sempre atentos aos meus movimentos. Uma gracinha ver que ele me vigiava,
pois sabia que eu não sei espanhol.
Embarcando para mais uma viagem e
eu só pensava cadê o tal do jantar. Dentro do ônibus primeiro foi servido
balinhas, depois Whisky, cerveja, e nada disso me interessava. Eu queria comer
comida! Meus biscoitinhos já não bastavam mais para mim! Depois de umas duas
horas eis que chega o.... lanchinho? Isso mesmo, chegaram biscoitinhos e
bolinho. Mas não entendi nada, logo em seguida veio uma marmitinha! Meu Deus, é
isso mesmo!!! Que povo doido! Eles comeram primeiro o lanche, bolo, biscoito,
pão, torta, presunto, mussarela e depois ainda uma marmita com arroz e frango. Que
povo louco! Bom, eu pelo menos matei minha fome! E aí se seguiram mais umas
quinze horas de viagem, sem nenhumaaaa parada e com um café da manhã também
servido à bordo.
Ufi, ao todo 40 horas de viagem e
cheguei à Córdoba. Passei inicialmente por um longo trecho onde a estrada era
toda envolta por árvores longas e algumas pequenas entradas para colônias. Achei
muito curioso, parecia que a todo o tempo a estrada cortava uma floresta. De Garupá
para frente comecei a ver alguns pastos abertos e construções, casas sem muros,
muito legal! Mas senti muita falta de ver montanhas, não havia nenhuma desde a
entrada na Argentina. E adivinha onde elas apareceram? Em Córdoba! Como fiquei
feliz de ver que aqui as montanhas existem!
Bom desci do ônibus e lá estava o
Angél, ou o meu anjinho de olho em mim. Aí foi mesmo minha sorte. Ele, como
havia acabado de voltar do Brasil, compreendia um pouco do que eu falava. Perguntei
a ele como eu fazia uma ligação e ele me levou até a cabine. Aí ferrou, ele
acabou saindo de perto e quando eu liguei pra dona da casa percebi que ela não
entendeu bulufas do que eu falei. Eu dava o nome de uma loja da rodoviária como
referência para ela me encontrar e ela queria o número da plataforma. Desliguei
sem nenhuma das duas ter entendido nada. Voltei pra plataforma e Angél me
mostrou o número de lá. Decidi voltar ao telefone e ele me acompanhou. Eu falava
com a Maria Rosa plataforma 22 e ela me falava 14, kkk, continuei não
entendendo nada e meu anjinho pegou o telefone para avisar que eu ia aguardá-la
na 22. Assim deu tudo certo, voltamos para a plataforma e eu encontrei Maria
Rosa e me despedi do anjinho.
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