Embora Capilla del Monte ofereça
muitas coisas lindas para se fazer, no meu primeiro dia de parada na cidade não
consegui sair do quarto. O cansaço da correria do dia anterior e a vontade de
estar bem preparada para o dia seguinte me fizeram querer ficar quietinha até o
fim da tarde.
E para não dizer que não coloquei
o pé na rua, quando o sol começou a descer fui dar uma volta. Capilla é uma
cidadezinha pequena, porém muito desenvolvida. Possui ruas calçadas, um grande
número de comércio e uma boa infra-estrutura turística. O turismo local é
convidativo para as pessoas que se interessam pela natureza e pelo misticismo. Além
do mais, para aqueles que estão em busca de ver os óvnis que dizem que andam
por lá.
Dando voltinha pelas ruas do
centro eu fiquei tentada com a idéia de ser chique por um dia! Tanto em San
Marcos como em Capilla, um copo de café com leite custa o equivalente a oito
reais. Eu estava mesmo era na água, que inclusive também era muito cara, porém essencial.
Mas aquela rua de vilazinha com aqueles cafés me convenceram a pedir um cappuccino.
Quando decidi pagar oito reais por ele não imaginava que viria uma tacinha de
dois dedos, mas enfim, foi chique sentar no café e ler meu livro companheiro.
Depois, voltando para o hostel,
comprei um colarzinho meio rústico para mim e uma amiga especial. Quando cheguei
ao meu quarto, não sei porque, inventei de ir para o andar de cima da beliche. Nesse
momento percebi que eu tinha perdido os colares que estavam no meu bolso. Fui descer
correndo da cama, que não tinha escada, para voltar para a rua e procurar. Me estrumbiquei
escorregando e me agarrando nas madeiras. Kk Foi divertido e agora guardo a
marca de Capilla no meu cotovelo sangrento. Mas o pior foi que voltei para as
ruas, no mesmo caminho, e vi apenas um mapa no chão, mas isso não me
interessava. Voltei convencida de ter perdido os colares e fui pegar o meu mapa
no bolso. Não.... era o meu que estava caído no chão, e, logo, as lembrancinhas
deviam estar junto! Voltei correndo, mas dessa vez nem mapa e nem nada! Acho que
esse foi meu maior azar até hoje. Mas como de tudo deve se tirar uma lição,
preferi pensar que era um treinamento para lidar com a dor física e com o
desapego material, hehe!
No dia seguinte levantei cedo,
fiz um sanduíche com bife de soja e verduras, tomei café, peguei minha
mochilinha e... rumo ao Cerro Uritorco! O serro é uma das montanhas mais
famosas de Córdoba, a mais alta e onde dizem que tem mais et, kk. A previsão
era de 4 horas de subida e 3 de volta, com um valor equivalente a 35 reais para
entrar. Eu até gosto de misticismo, mas a minha vontade era mesmo de me
encontrar com a natureza! Os óvnis e as lendas não me importavam muito. Eu queria
era sentir o verde de perto!!
A diversão começou com o ônibus
que peguei desde o centro até o serro. Os banquinhos de madeira e a lataria
envelhecida eram muito charmosos! Depois de alguns minutos, cheguei,
inicialmente sozinha! Aiaiai... li o cartaz dizendo que o nível de dificuldade
era médio/ alto e me bateu um medinho. Mas era esse medinho que também me fazia
pensar... ualllll!!!
Tinham uns garotos por perto que
estavam no mesmo hostel que eu, e eu podia até ter tentado me aproximar, mas
não queria uma companhia! Assim, me certifiquei com o moço que cobrava a
entrada de que eu não iria me perder, rs. Claro... não tinha um mapa, não tinha
nada além de umas montanha grandonas, eu tinha que perguntar isso! kk Ele me
garantiu que eu estaria segura e fui...
Nos primeiros cinco minutos eu
estava bufando e reclamando, mentalmente, do porque que levo uma vida tão
sedentária. Um morrinho e eu já estava cansada! Respirando alto, cruzei por um
cara, o primeiro do caminho, e ele me perguntou se estava bem? Pensei, droga...
está dando na cara que estou morrendo, tão rápido! Hehe confesso que fiquei com
vergonha, respondi logo que estava tudo bem e dei as costas pra ele e segui.
Quando eu menos esperava, estava lá
o cara atrás de mim de novo e puxando assunto. Hum... não estava gostando
disso, mas enfim, cautelosamente fui conversando com ele até que ele me disse
que era guia do “parque” e que estava voltando para seu ponto de trabalho, no meio
da montanha. Um pouquinho de dúvida se era verdade... mas ele estava tão bem
equipado, que parecia não ser mentira mesmo não. Até que passamos por uma equipe
de televisão, que logo que viram uma brasileira chegando me pararam para
entrevistar! Eu fiquei foi morrendo de raiva, porque eles enfiaram a câmera no
meu rosto sem nem me perguntar se eu estava de acordo. Isso foi péssimo, mas a
vantagem foi que nesse momento me certifiquei que o cara era guia mesmo e todo
mundo o conhecia.
Eu segui caminhando e acabei
ganhando um guia de graça. Ele me acompanhou até onde pode, parando quando eu
queria e tirando fotos para mim! Depois de um tempo meu desconforto melhorou
porque ele estava mesmo muito respeitoso. Mas eu não parava de pensar que ele
estava atrapalhando a minha idéia de subir uma montanha sozinha, mas tudo bem! Às
vezes eu pensava que eu não tinha ganhado um guia por acaso e ele acabava me
trazendo segurança, mesmo que eu estivesse sempre com a pulga atrás da orelha! Mas,
de repente também podia ser mais um anjinho, não sei!
Seguimos juntos até metade da
montanha, duas horas de caminhada! Cruzamos por poucas pessoas no caminho, não
estava em um dia movimentado. A subida estava cansativa, mas as trilhas sempre
abertas facilitavam bem. Mas em alguns pontos.... eu tinha certeza que se não
tivesse com ele teria ficado meio sem saber para onde ir! Aí dito e feito....
depois que despedi dele, em cinco minutos, estava eu no meio de um monte de
mato: “pra onde tenho que ir agora?” a trilha sumiu e eu só via mato, pedra e
espinho, haha. Eu ria de mim! Que tola, perdida tão rápido! Eu ria porque sabia
que perdida de tudo não tava, o máximo que eu teria que fazer era voltar pelo
caminho que fui. Mas e o caminho de ir, onde estava? Empurra plantinha para cá,
empurra matinho para lá, salta umas pedrinhas, torce para não ter cobra e...
achei!! Ufa, vou conseguir me virar, foi o que pensei!
Há muitos anos eu vivi sempre
acompanhada de alguém, todas as minhas aventuras e histórias tinham alguém
muito perto de mim, pronto para me proteger. Mas agora eu tinha que me virar
sozinha, eu tinha que conseguir vencer minhas dificuldades comigo mesma, na minha
vontade de alcançar e na minha coragem que eu estava aprendendo a criar! Então achar
aquele caminho, sem pedir informações ou apoio era algo muito maior do que
somente encontrar uma trilha! O matinho era baixo, rasteiro e a casinha do guia
não estava muito longe, então era simples, era pouco aquele momento, mas para
mim, daí em diante, a caminhada foi uma grande aventura e aprendizado!
Segui sem mais ninguém, em meio a
muito verde e em uma estradinha que não parava de subir, subir e era longe.... Algumas,
poucas, vezes eu cruzava por alguém no caminho. E algumas vezes me perguntavam,
entre outras palavras de simpatia: “Estas sola?” Quando me perguntavam isso na
capital de Córdoba, em especial os taxistas, eu sempre dizia que eu estava com
um grupo de amigos, que estavam me esperando. Era pura mentira, mas isso me
fazia sentir mais segura. Mas ali... era óbvio que não tinha mais ninguém
comigo, eu não podia inventar que tinha alguém me esperando atrás de uma moita!
Mas responder que eu estava sozinha parecia tão vago para mim. Assim, a
resposta mais espontânea e mais sincera que vinha à minha cabeça e que eu dizia
com um sorriso alegre no rosto era: “Estou com a natureza!”. E essa resposta vinha
acompanhada de muita bagagem dentro da minha alma!
Estar acompanhada da natureza era
estar conectada a todas as forças físicas e intangíveis que estavam ao meu
redor! Assim, quando eu respondia que estava com a natureza, vinha um lindo filme
em minha mente. Antes de viajar para a Argentina eu fui me benzer com o Seu
Mário da Comunidade dos Arturos de Contagem. Eu não sou católica, não entendo
sobre os santos e não rezo Ave Maria. Mas acredito demais na força da benzeção
do Seu Mário e creio que algumas vezes já fui protegida com a sua ajuda. Dessa forma,
quando busquei a ele, contei que iria fazer uma viagem sozinha! Em suas rezas
ele me disse que a todo tempo Nossa Senhora estaria à minha frente abrindo o
meu caminho. Assim eu sentia, em meio ao tudo e ao nada em que eu estava, que
estaria protegida pela força divina e que meu caminho estava limpo! Além disso,
olhando para as montanhas verde, azul e coloridas com flores amarelas,
vermelhas e roxas e para o céu azul, o sol irradiante e para a terra que eu
pisava, eu via a Pachamama, a Mãe Natureza, me dando um lindo dia. E também
sabia que do lado esquerdo e direito tinham os meus anjinhos! E se Nossa
Senhora abria meu caminho, e se eu estava envolta da Pachamama e se os anjos me
acompanhavam, eu agradecia ao meu Deus pela graça da vida e sabia que eu não
estava sozinha, que estava com a natureza!
Assim, sozinha mas acompanhada,
subi por mais duas horas. Por fim já estava ficando muito difícil, porque o
corpo doía e porque quanto mais perto do fim, mas aumentava o grau de
dificuldade. Mas quando eu tinha que me agarrar as pedras é que eu adorava! Me
sentia total Indiana Jones. Ficar muito desorientada eu não ficava mais não,
mas algumas vezes as setas que indicavam os caminhos apontavam para dois
lugares distintos e outras vezes os caminhos não eram tão óbvios, mas eu seguia
a intuição e a ponta do cume, seguia e achava!
Depois de praticamente quatro
horas, finalmente eu cheguei! Ui, não poderia pensar na idéia de que tinha que
voltar. O horário obrigatório de descida era no máximo às 15h30m e eu cheguei
ao topo uma hora antes. Aproveitei esse tempo para sentar, comer e descansar. A
vista do alto era maravilhosa! Tinha duas cruzes com enfeites bastante
populares e um visual deslumbrante. Dava para ver a cidadezinha pequenininha lá
embaixo, mas eu gostava mesmo era de olhar para as montanhas vizinhas! Ter a
possibilidade de ver as montanhas por cima de seus cumes me parecia um super
poder mágico. Eu estava feliz de sentir isso!
Mas era estranho porque também
comecei a me sentir um pouco pesada. Não sabia o que era, mas enquanto eu
estava subindo eu estava mais feliz, contente. Na verdade enquanto eu subia eu estava
mega alegre, mas enquanto eu permaneci ali, por uma hora, enroscada feito um
caracol, deitada entre duas pedras, eu sentia um pouco pesada. Enfim, achava
que era cansaço e fiquei paradinha tentando relaxar o corpo.
Avançando bastante os capítulos da
história, um dia depois quando eu conversava com David, ele me contou a lenda
do cume deste serro. Ele disse que as cruzes eram para simbolizar a grande
quantidade de indígenas que se jogaram em massa daquele topo, em suicídio, para
não se renderem ao poder dos espanhóis. O guia que tinha me acompanhado me
contou essa história e disse que as pessoas sempre sentem certo desconforto
quando param nessa região, mas no espanhol falado em meio a uma caminhada difícil,
eu não tinha entendido o que ele tinha contado, somente depois que David me
falou sobre isso é que fui entender e inevitavelmente relacionei ao mal estar
que eu tinha sentido!
Mas o mal estar maior mesmo
começou quando iniciei o caminho de volta! Hum... eu estava com muitas dores no
corpo e um enjôo chato. Somente sentia na boca o gosto do azeite que deixei
derramar sem querer no meu pão. Ouou... não queria que o mal estar da volta
abafasse a minha felicidade da ida. Parei para deitar sobre uma pedra, mas
abaixo do cume, e aí sim eu estava me sentindo ótima. Eu pensava: “curioso,
fiquei uma hora lá em cima e não consegui desfrutar como estou desfrutando nesses
cinco minutos aqui!” eu estava deitada com o corpo esticado, não mais como um
caracol, sentia o sol batendo suavemente em meu rosto, sentia a brisa e
escutava o silêncio. Hum, valeu demais essa sensação, mesmo que tenha sido
breve. Tive que tratar de me apressar para levantar, porque queria descer antes
do sol partir. Aí, dentro de instantes, já estava eu de novo, cantando mentalmente
e saltitando (literalmente) em meio às pedras.
E cantando mentalmente para que? Aí
comecei a cantar foi para fora! Cantava, saltitava e sorria, sem mais ninguém
por perto, do jeito que eu queria! Ah, que alegria! Aí em um momento sentei de
novo para ver o horizonte, lembrei do presente que agora anda sempre na minha
bolsa, que ganhei do meu amigo hare, e abri meu caderninho de mantras e comecei
a ler e cantar Jaya Radha Madhava, meu mantra preferido, o mesmo que ele tinha
cantado no templo! Lia e cantava em sânscrito e lia em voz alta a tradução em
espanhol, que narra Krishna caminhando no meio do bosque, e eu ali, no meio da
montanha! Como eu estava leve!!
Eis então que passava por mim um
casal de amigos e eu os pedi para tirar uma foto pra mim. Pronto, deixei de
ficar sozinha de novo, kkk. Eles eram mega simpatia e quiseram me acompanhar na
volta. Acabei ganhando uma carona até o hostel e por fim eles acabaram mudando
de abrigo e foram pro mesmo hostel que eu estava, de tanto que eu falei bem de
lá. Depois que chegamos eu acho que fui meio chata, mas tudo que eu queria era
descansar e acabei não interagindo com ninguém, mas fiz o que eu quis que era
ficar quietinha!
Bom, terminei o serro com umas quatro horas de subida e três horas de descida. Em uns quarenta minutos depois que cheguei à base, o
sol saiu e se despediu brilhantemente. O sol se foi e eu guardei dentro de mim
as lindas sensações que desfrutei enquanto subia as montanhas.
Caminhar pelo Cerro Uritorco me
fez sentir mais forte, mais mulher, mais independente, mais capaz! Me fez
sorrir muito, sorria para mim mesma, assim, fiquei ainda mais minha amiga,
minha parceira! Por alguns minutos eu comecei a pensar se quando eu voltasse
para casa essa coragem que estava me acompanhando ia permanecer comigo, se eu
ia finalmente aprender a andar de bicicleta ou perder o medo de dirigir. Mas logo
soprei esses pensamentos para o lado e busquei viver o momento presente e os
sabores da vida que eu vivia ali, naquele instante, feliz!
No dia seguinte amanheceu
chovendo e eu morta de dores no corpo, assim preferi voltar para Córdoba um dia
antes do previsto.